Na qualidade de gerente de gestão de pessoas, fui convidado por um gestor de linha para conversar com a sua equipe que estava bastante sofrida. Cinco colegas tinham sido demitidos. Eles já trabalhavam juntos a bastante tempo e a decisão da empresa deixou quase todos desnorteados.
O motivo pelo qual eles tinham sido dispensados era de fundo ético. Restou confirmada a participação deles em atos repudiados pelo Código de Ética da Organização.
A descoberta
Nos dias que antecederam a reunião aproveitei para rever a literatura disponível sobre o tema. Livros, artigos, conteúdo de cursos etc.
Revisitei Cortela, Salvater, Clóvis de Barros, Singe e Chauí. Deixei os clássicos de lado por dois motivos. O pouco tempo que eu tinha e a certeza de que esses autores contemporâneos beberam na fonte daqueles.
O ‘papo’ com esses autores me fez perceber, pela primeira vez, o óbvio ululante: a ética[1] não é natural. É uma construção humana. De repente tudo ficou mais claro. Não sei de onde eu tinha tirado a ideia de que éramos naturalmente éticos e que o seu oposto era que era o desvio. É o contrário.
Confuso? Para mim não mais. Às vezes me escandalizava com a atitude de alguém que feria o que o “senso comum” entendia como certo, moralmente correto. Mas, nunca havia me perguntado: quem definiu o que é certo?
Natural é a sobrevivência
Por milênios prevaleceu a lei do mais forte. A guerra de todos contra todos O que é natural é a sobrevivência. E daí, surge valores tais como: “primeiro o meu” e suas corruptelas de buscarmos sempre o nosso benefício em detrimento do outro.
O natural não é parar na faixa de pedestre. O natural é chegar no meu compromisso no horário. O natural não é estacionar numa vaga distante do meu destino. O natural é estacionar na vaga mais conveniente para mim, mesmo que seja reservada para pessoas com deficiência, idosos ou gestantes.
O natural é comprar tudo que posso, inclusive as ‘exceções’ dos servidores públicos, pois isso facilita a minha vida (meu carro não é retido, assumo a vaga naquele concurso, meu filho cursa uma faculdade pública…).
O natural é ‘bater o ponto’ pelo colega que não pode vir trabalhar. É colocar música alta na minha festa no condomínio, mesmo já passando do horário.
O natural, finalmente, é a corrupção. Quem “pode pagar”, tem seus interesses atendidos o mais rápido possível, garantido a sua posição da cadeia alimentar (e consequentemente a sua sobrevivência). Quem recebe, pensa da mesma forma.
As regras do condomínio
O homem em algum momento da história percebeu que se continuasse permitindo que as suas vontades e desejos não fossem freadas, a vida em sociedade seria impossível. Ou seja, precisaríamos conter a nossa natureza. Assim, a humanidade construiu os princípios éticos e morais.
Ora, com o sucesso de tais princípios e, por consequência, a evolução da sociedade, aquilo que é uma construção cultural (a ética) passa a ser encarada como natural e o seu desvirtuamento (o normal do ser humano) é visto, pelo menos pela maioria, como o que tem que ser combatido. Que bom que seja assim!
Esse ‘natural’, afinal, fere as regras do condomínio.
Decidimos morar em condomínio por oferecer segurança e tranquilidade. Basta, apenas, que todos cumpram a sua parte. Isto é, cumpram o disposto na convenção, que vai desde o valor da mensalidade até as regras de convivência. Esse é o preço. Simples assim.
Se você não quer que o salão de festa funcione durante os dias úteis a partir das 22 horas, essa regra precisa também alcançar você, mesmo naquela quarta-feira que sua filha passou no vestibular.
A Terra é um condomínio
Podemos projetar essa simples metáfora para todos os outros grupos que participamos – igreja, escola, clube, trabalho… – temos, assim a Ética, a regra da convivência.
Crescer profissionalmente dentro de uma organização, pressupõe obedecer fielmente ao seu código de ética. O ideal é que concordemos com ele, mas cumpri-lo à risca já é o suficiente.
“Obedecer fielmente”, “cumprir à risca” … será que não há aqui um exagero? Felizmente não. Não dá para transigir com nenhum preceito ético. Não dá para ser “meio ético” ou “99% ético”.
Não somos obrigados a participar de nenhum grupo social. Mas, ao decidirmos fazer parte, decidirmos, também, cumprir o seu código. Pois, é ele que garante a perenidade da corporação, seja ela qual for.
E é no mínimo incoerente ou oportunista querermos assumir uma função numa organização que não concordamos com suas regras e nem as respeitamos.
E o meu papel enquanto gestor?
Um pedaço de madeira calcinada tenderá a permanecer assim até ser consumida pela natureza. Entretanto, se a levarmos à presença do fogo ele se tornará uma bela brasa.
Esse é o nosso papel enquanto gestor. Além de sermos exemplo, temos que promover a ética no ambiente de trabalho. Temos que ser o fogo. E isso se faz conversando sobre. E com muita frequência. Para quando o grupo (como da história do início desse artigo) ou um indivíduo se deparar com um dilema ético não ter dúvida sobre que caminho tomar.
[1] Ética aqui no sentido de forma de proceder ou de se comportar do ser humano no seu meio social.
Muito bom !
Obrigado Rosa Maria.
Aproveito para informar que, por motivo extremamente relevante, suspenderei a publicação de novos posts até o dia 31.10.2022.
Espero contar com a sua leitura e comentários a partir do mês de novembro.
Abraço.