No último dia 16 de janeiro, Tarciana Medeiros tomou posse como presidenta do Banco do Brasil.
Infelizmente esse fato é notícia devido ser a primeira vez, na sua história de 214 anos, que o banco mais importante do nosso país e um dos maiores do mundo será conduzido por uma mulher.
O passivo do Banco do Brasil
As mulheres já ocupam, em todo o mundo. A direção de grandes e importantes companhias e são chefes de governo e de estado. Costa Rica, Panamá, Nicarágua, Chile, Argentina e Brasil já foram presididos por mulheres, apenas para ficarmos aqui na América Latina.
(Interessante observar que todas foram eleitas democraticamente. Parece que elas não têm tendência a serem ditadoras).
Sendo assim, podemos afirmar que o nosso banco, o banco dos brasileiros, tinha uma dívida com a maioria da nossa população, as mulheres e os homens não machistas.
E para poder cobrar aos seus devedores, o Banco precisa dar exemplo, pagando suas dívidas.
Reconhecimento necessário
Parte do discurso de Tarciana me fez lembrar da minha dissertação de mestrado: Gênero, satisfação e carreira: o caso do Programa Pró-equidade de Gênero em um conglomerado financeiro em Pernambuco.
Na oportunidade, tive o privilégio de estudar a trajetória das mulheres do Banco do Brasil e de entrevistar todas as gestoras da Empresa lotadas no Estado de Pernambuco: 37 mulheres, sendo 22 gerentes geral de agências localizadas desde a região do sertão do Araripe até a Zona da Mata.
É com essa experiência que posso afirmar que o presidente Luís Inácio Lula da Silva apenas reconheceu toda essa trajetória de luta contra a discriminação e preconceitos que as mulheres enfrentaram e enfrentam no Banco do Brasil.
E essa história é longa, com muitos espinhos, mas vitoriosa.
E elas chegam no BB
Primeiro elas conquistaram o direito de fazer o concurso, e o primeiro foi em 1970. Graça, e não tinha nome melhor para iniciar essa história, foi uma das aprovadas. Ela se impôs e ocupou todas as funções que quis e se tornou a primeira mulher a ser superintendente.
Até hoje Graça luta pelos direitos de todos os funcionários do Banco, principalmente pela isonomia de gênero.
E ocupam até o Sertão
Já Elisabete, soube que a Superintendência não ia nomeá-la gerente, pois ela não ia aceitar devido a agência ser longe da capital e ela ser casada e ter filhos. Ela irrompeu a sala do executivo e o questionou. Disse em alto e bom tom que o ‘não’ tinha que ser dela.
Ela assumiu a agência de Exu, no alto sertão pernambucano. Lugar tradicionalmente machista. Não se incomodava quando os clientes, usando chapéu de couro ou camisa social, insistia em falar com O gerente.
Com as suas competências, Elisabete não se tornou a Maria Bonita da Caatinga, mas demonstrou que um bom gerente não tem nenhuma relação com o gênero. Uma rainha essa Elisabete.
Depois dela, o sertão passou a ser não só de ‘cabra macho’, mas também de mulher forte.
Chegam à Diretoria
E o mundo foi girando nas patas do meu cavalo. E não sem muita luta – desculpe insistir – as mulheres chegam à Diretoria. Rosa e Isabela. Uma com nome de flor e outra de rainha. Coincidência.
Rosa foi cuidar das pessoas e Isabela da responsabilidade socioambiental. E desse caldo nasceu e floresceu necessárias discussões no banco, que até então ficavam debaixo do tapete.
Foi nesta gestão que tivemos o primeiro homem gozando licença-paternidade de 120 dias e o crédito chegando ao pequeno através do programa Desenvolvimento Regional Sustentável.
Lembro de uma conversa com Isabela. Ela confessou sua insegurança para assumir tanta responsabilidade. E emendou. Não tinha o direito de recusar. Era minha missão abrir caminhos. Fui insegura mesma.
É também dessa época a política de cotas para nomeação de mulheres. Não havia obrigação que a nomeação recaísse sobre uma mulher, mas, na fase recrutamento era necessário ajustar a regra para que no restante do processo seletivo a representação de gênero fosse paritária.
Essa política, creio que não mais exista, fez o Banco melhorar muito a quantidade de mulheres em postos chave e ganhar o prêmio Equidade de Gênero do Governo Federal.
Outra vitória foi a instituição da Carta de Princípios e Responsabilidade Socioambiental, assinada por todos os funcionários, inclusive pelos altos executivos.
Entre outros avanços, o Banco se comprometia a:
Repelir preconceitos e discriminação de gênero, orientação sexual, etnia, raça, credo ou de qualquer espécie.
Espalham a boa nova por todo o Brasil
Foram tantos os marcos desse período que quase esquecia que as Regionais de Gestão de Pessoas saltaram de 8 para 20. E, a maioria dos seus Gerentes Gerais, eram mulheres: Cristina, Dina, Elda, Elieuza, Idee, Kátia, Martha e Patrícia.
Essas mulheres tinha uma missão básica. Era hora de estourar o teto de vidro da organização. A Carta de Princípios e o Código de Ética era para valer. E isso não podia ficar só em Brasília. Elas foram os arautos desta boa nova no Mato Grosso, no Maranhão, no Pernambuco, na Paraíba, no Ceará, na Bahia, e no Rio de Janeiro.
(Nos demais Estados a missão ficou com os seus pares do outro gênero).
E cumpriram com louvor esse desafio. Não sem luta. Não sem incomodar. Pela primeira vez o assédio moral e o sexual deixou de ser apenas bandeira do sindicato e se transformou em tema de educação e motivo de ação disciplinar.
E quem estava no front contava com o apoio incondicional das primeiras executivas da DIPES, Ana Cristina, Anysie e Maria Inês. Cada uma no seu tempo e na sua área.
Ouvi de uma delas a seguinte frase, que espalhamos por todos os cantos:
Resultados robustos e consistentes não são incompatíveis com o respeito e a satisfação dos funcionários e dos clientes.
O Inspira BB
A abertura dos caminhos continuou. No programa Inspira BB discutimos e nos apropriamos da rica diversidade do BB. A temática LGBTQIA+, o racismo; a xenofobia, o machismo e tantos outros desafios que temos que superar.
No Rio, Bruna pediu a redução das desigualdades com respeito às diferenças. Na época a sua pergunta incomodou o Establishment do Banco: quantas mulheres juntas serão necessárias para que não mais se diga que elas caminham sozinhas?
Elas nunca estiveram sozinhas
Graça, Elisabete, Rosa, Isabela, Cristina, Cristina, Dina, Elda, Elieuza, Idee, Kátia, Martha, Patrícia, Ana Cristina, Anysie, Maria Inês, Bruna e tantas outras, foram tecendo essa manhã.
E como vieram na frente, como disse o poeta, caíram em buracos, pisaram em espinhos, calejaram as mãos e machucaram os pés e o coração. Abriram picada, levantam a terra, jogaram a semente, arrancaram espinhos e deixaram flores.
No dia 16, todas assistiram a posse. E tenho certeza de que todos aqueles difíceis dias vieram à mente. Uma lágrima pode até ter teimado em cair. Mas, o sentimento que realmente transbordou foi o valeu a pena.
Se você não conhece essas mulheres, tudo bem, elas atendem pelo nome de Tarciana ou de funcionária do Banco do Brasil.