Entre as muitas coisas que nos caracterizam como humanos, a comunicação é com certeza uma das mais fortes. Ela está presente em toda criação humana, direta (ideias, costumes, leis, crenças morais, conhecimento etc.) ou indiretamente (como instrumento de transcrição, interpretação, repasse, ensinamento das demais formas de cultura).
É a comunicação que permite a descrição da intricada lei da relatividade de Einstein; a definição de idiossincrasia; a exemplificação de um eufemismo; e a materialização de uma das competências exclusivamente humana, a abstração.
Agora, por exemplo, lanço mão desse instrumento para analisar ele próprio. E, ainda dentro desse sistema, você está acessando minha opinião, analisando-a e fazendo o seu juízo. E esse julgamento não será uno. Pelo contrário. Não estaria exagerando em afirmar que haverá tantas conclusões quantas forem as pessoas que lerem esse artigo.
Mapas mentais
E o motivo é óbvio. Cada um de nós é único. Que pese sermos da mesma espécie, foram caminhos diferentes que trouxeram você até aqui. E isto faz com que este texto tenha avaliações, também, diferentes.
De que caminhos estou falando? Da cultura, religião, genética, valores, origem, classe social, princípios… Tudo isso e mais outras variáveis que, amalgamados de forma exclusiva em cada um de nós, nos fazem únicos.
Essa singularidade faz com que cada um de nós veja o mundo de forma diferente. Existem tantos mundos quantas pessoas existem nele. Assim, também, nosso julgamento é exclusivo, inclusive sobre este artigo. Até mesmo para discordar dessa afirmação.
E arrisco dizer que a tendência é pela discordância. Não porque estou afirmando algo absurdo, mas pelo simples fato de vermos o mundo de forma diferente. Pode haver uma proximidade de opinião, dificilmente uma igualdade. Ou, pode ser que alguém faça adesão a minha opinião, renunciando à sua opinião original.
A regra é o desentendimento
Chegou até o nosso tempo, não sei sua origem, uma expressão que traz um fantástico comando: é conversando que a gente se entende. Ou, para efeito deste artigo, é se comunicando que a gente se entende.
Nada mais falsa essa afirmação. Ou pelo menos, nada mais romântica. Na realidade, está na comunicação (construída por todas aquelas variáveis citadas e outras), uma das principais fontes de conflito do ser humano. Ou seja, na realidade é conversando que a gente se desentende.
Mas, não no sentido que Rubem Alves apresenta, quando afirma que “a compreensão dá briga”. A lógica do grande ‘jardineiro’ não era complexa. Ele afirmava que falando nos entendemos. Entendendo, compreendemos as opiniões uns dos outros. Compreendendo as opiniões uns dos outros, não gostamos delas. Então, nos desentendemos.
Que pese todo o respeito que devoto a Rubem, entendo que a coisa é até mais simples. Creio que não chegamos sequer a compreender as opiniões uns dos outros. E nem estou acrescentando nesta conta a atual intolerância e ódio que assolam o nosso País.
Sendo assim, não é a falta de comunicação que gera conflito, como tendemos a acreditar. Afinal, a maioria dos conflitos acontece exatamente nos processos de comunicação.
A felicidade entra em jogo
Mas, nem tudo está perdido. Como diz meu amigo Artur Roman¹, se os conflitos se manifestam nos processos de comunicação, é nesse mesmo espaço que se pode promover e produzir a conciliação, o entendimento.
É no mesmo lugar de interação que nos digladiamos e que também construímos possibilidades de sermos felizes.
Com efeito, tudo aquilo que caracteriza o ser humano e que nos impele para o desentendimento (que por si só não é bom ou ruim), possibilita o entendimento, que é fonte de aprendizagem e, por conseguinte, de desenvolvimento.
Entendimento não é sinônimo de concordância e sim a possibilidade racional de apreensão e aceitação da mensagem.
No mundo corporativo, a tendência natural do desentendimento é amplificada. Pois, além de todas as singularidades expostas acima, o mundo do trabalho é uma arena política onde vários interesses não coincidentes estão postos.
Por outro lado, cada vez mais pesquisas confirmam que as relações saudáveis estabelecidas nas organizações contribuem para a nossa felicidade, pois nos tornam mais produtivos, envolvidos, energizados e resilientes.
Se assim o é, não importa nossa posição na empresa (líder ou liderado), nossos relacionamentos sociais constituem o maior investimento que podemos fazer para nossas carreiras.
E ainda não inventaram nada de novo para cultivar essas relações que substituísse a boa e velha comunicação.
Vamos parar de nos desentendermos? Claro que não. Isso é inerente ao ser humano. Mas, também somos capazes, com esforço, de nos entendermos. E não por esquecimento (como acontece com a maioria dos animais), e sim por uma decisão racional que é o melhor a ser feito.
A virtude, então, não está em não nos envolvermos em conflitos, mas, em superá-los, utilizando a complexa e instigante comunicação.
1.Artur Roman – Mestre em Linguística, Doutor em Comunicação e Pós-Doutro em Sociologia.