Afirmei no artigo ‘É conversando que a gente se desentende’ que o nosso sistema de comunicação é extremamente eficiente. Ele permite descrição, definição, exemplificação e materialização de coisas e questões muito complexas e intricadas.
Algumas sensações, sentimentos e emoções, entretanto, compõem um rol que compreendemos o significado, mas não conseguimos expressá-lo com precisão. ‘Felicidade’, faz parte dessa lista.
Como disse o poeta Fausto Nilo, “nem mesmo a palavra mais louca consegue significar felicidade”[1]. Apesar disso é uma das coisas que mais desejamos. Como disse outro poeta[2]: “ser feliz é tudo que se quer…”
O propósito da vida
A filosofia e as religiões sempre se ocuparam do tema buscando definir sua natureza e que tipo de comportamento ou estilo de vida levaria à felicidade. Veja, por exemplo, algumas reflexões de Aristóteles:
A felicidade é o sentido e o propósito da vida, o único objetivo e a finalidade da existência humana.
O homem sábio não busca o prazer, mas a libertação das preocupações e sofrimentos. Ser feliz é ser autossuficiente.
A felicidade não se encontra nos bens exteriores.
A felicidade pertence aos que se bastam a si próprios.
A ciência e a felicidade
Com o advento da Psicologia Positiva, o avanço da neurociência e o crescente número de pesquisas sobre o tema, a felicidade começa a ser desvendada e as novas definições nos ajudam a compreender esse objetivo tão subjetivo.
Essa ambiguidade – objeto e subjetivo ao mesmo tempo – é um dos motivos da dificuldade de conceituarmos a felicidade de forma definitiva. Contribui também a existência de várias acepções e o desgaste da palavra pelo uso impreciso pelo marketing, autoajuda e religiões.
Estas dificuldades, entretanto, não impedem que a ciência, mais e mais estude o tema. Às vezes como um objeto real às vezes como um construto. Livros, artigos, cursos – de cunho científico – sobre o tema têm se proliferado.
O que é, então, Felicidade?
Que pese as pesquisas atuais não tenham ainda compreendido todo o mecanismo da felicidade em cada pessoa, os resultados encontrados são animadores e promissores.
Uma das principais referências – senão a definitiva – para os pesquisadores e profissionais que lidam com o tema é o livro The Oxford Handbook of Happiness. Seus editores e colaboradores são líderes mundiais na investigação da felicidade nos campos da psicologia, neurociência, comportamento organizacional, educação, filosofia, política social e economia.
Ali a felicidade é vista como a união de duas vertentes: a abordagem do hedonismo, que a vê como a busca do máximo de prazer e uma vida agradável; e a eudaimonia, que a ver como um viver em consonância com as potencialidades de cada pessoa. A primeira abordagem aponta para uma gratificação instantânea, a segunda para a algo a longo prazo, a um propósito de vida.
Ou, como bem resumiu Lyubomirsky[3], definindo o termo felicidade como: “experiência de alegria, contentamento, ou bem-estar positivo, combinado a uma sensação de que a vida é boa, significativa e valiosa”.
Felicidade e sucesso
Quando enxerguei a felicidade desta forma comecei a me sentir mais feliz. A felicidade não estava no próximo estágio da minha carreira nem no próximo carro que eu comprasse nem na próxima viagem que eu fizesse. Todas essas coisas são positivas e trazem uma excelente sensação. O problema é que essas sensações são momentâneas e assim, naturalmente, queremos o próximo estágio: um novo carro, um novo cargo, uma nova viagem… E, como uma droga, a dosagem precisa ser cada vez maior.
A felicidade não é, portanto, uma posição a se conquistar ou um bem a ser adquirido, e sim um caminho prazeroso. Ao mudar essa lógica, ou seja, a felicidade desvinculada do “sucesso” (carreira, carro, casa, viagem…), dois fenômenos passam a acontecer.
Primeiro: o prazer advindo da conquista, da realização passa a ser mais intenso e duradouro. Degustar uma taça de champagne pelo simples prazer e não por necessidade do álcool é simplesmente um momento especial. E essa satisfação se repetirá sempre que você se lembrar daquele momento, principalmente, se você estiver acompanhado.
Segundo: o sucesso, a conquista, a realização ficam mais fácil de serem atingidos, pois eles deixam de ser um objetivo em si e passam a ser apenas consequência de sua vida prazerosa e com propósito. Um homem muito rico disse certa vez que começou a ganhar dinheiro quando deixou de pensar nele e começou a entregar o seu melhor.
Ser feliz, de acordo com Ciência, portanto, não é uma consequência das nossas conquistas, pelo contrário. É mais provável que você realize todos os sonhos sendo Feliz.
[1] Música “Pão e poesia”, belissimamente interpretada por Simone.
[2] Kledir Ramil, da dupla Kleiton e Kleidir, na música “Paixão”.
[3] Sonja Lyubomirsky é Ph.D. pela Universidade de Stanford, professora de psicologia na Universidade da California e pesquisadora sobre felicidade. Autora dos livros A Ciência da Felicidade e Os Mitos da Felicidade que recomendo fortemente.