Recentemente tive a oportunidade de fazer um intensivo sobre liderança. Curso, palestra, livro, workshop, live? Nada disso. Participei da festa de despedida de um líder que estava mudando de empresa.
Os discursos, que ouvi atentamente, dos seus subordinados, pares e superiores, foram lições para uma carreira inteira.
Performance não é legado
Todos falaram bem desse profissional, o que é normal nesse tipo de solenidade. O que foi diferente, é que o reconhecimento não se referia a capacidade de entrega, da performance, do resultado que ele apresentou, ou seja, quase ninguém falou da parte do sucesso que podemos tangibilizar, transformar em números.
Algumas competências tidas como fundamentais para o gestor moderno, tais como agilidade, eficiência operacional, administração de custos, só apareceu na fala do membro da diretoria que estava representando o board da empresa que ele estava saindo.
Importante ressaltar que o convite para a nova organização veio precisamente pelo fato de o gestor ter colocado a operação da empresa que estava deixando, naquele Estado, em um patamar que ela nunca tinha chegado.
Lembrado pela forma com que se trata as pessoas
O jantar atrasou, pois muitos quiseram fazer uso da palavra. E a aula foi impagável. As competências mais ressaltadas foram as comportamentais. Ou seja, o líder que saía deixava como legado o seu compromisso com as pessoas – funcionários e clientes.
Conheço a maioria das pessoas que se sucederam no microfone, nenhuma delas tinha nenhum motivo para falar qualquer inverdade sobre aquele profissional.
A fala era voluntária e aquele executivo não poderia distribuir nenhuma benesse, vez que ia assumir uma função no exterior e em outra companhia.
Além do mais, todos que reforçaram essas características do executivo, fizeram questão de citar exemplos.
Posso resumir aquela ‘aula’ listando alguns atributos desse líder, no intuito que possa nos servir de inspiração.
Próximo de onde as coisas acontecem
Ouvi que assim que tomou posse para gerenciar aquela operação que agora se despedia, Márcio (vamos chamá-lo assim) imediatamente buscou conhecer o ‘chão de fábrica’. Visitou todas os pontos de vendas de sua jurisdição (mais de 200) e começou pelas mais longínquas. Unidades que há anos não recebia uma visita da direção da empresa, causando surpresa para muitos dos colaboradores.
Compreender a importância do Time
Um gerente contou que no dia que chegou no Estado estava tendo um evento promovido pela área de RH. Correu para lá pois seria uma oportunidade de conhecer seus novos pares.
Entrou no auditório e alguém estava discursando. Concluiu que se tratava do gerente geral de gestão de pessoas, pois falava em cuidar das pessoas, dar atenção à Equipe, desenvolvimento, satisfação e até em felicidade. E não falou em nenhum momento de metas.
Quem falava, na realidade era Márcio. E nos meses que se seguiram suas ações só confirmaram sua exposição.
Acessível e humilde
Márcio colocou paredes de vidro na sua sala e, quando estava sozinho, a porta estava sempre aberta. No início a Equipe entendeu que era apenas para ‘inglês ver’, entretanto, quando informava algo importante em reunião ele perguntava: “e por que você já não contou isso? A sala não está aberta?”
Levou um tempo, mas no fim todos perceberam que era para valer. O gerente da área operacional, não subordinado a Márcio, contou que certa vez tinha agendado uma reunião com ele e estava organizando o material para sair quando foi avisado que ele se encontrava na antessala esperando sua vez para ser atendido.
— Estamos no mesmo prédio, então foi uma oportunidade de te visitar.
Habilidade social
Provavelmente essa foi a competência mais citada. E pelos depoimentos, Márcio não era apenas cordial e educado. Ele sabia alimentar as relações de forma positiva com todos, buscando conexões e alimentando cooperação mútua e energia positiva. Sua influência e poder de persuasão vinha da sua capacidade de construir relacionamentos verdadeiros.
Empatia
Essa palavra apareceu apenas uma vez, mas o seu conceito perpassou quase todas as falas. Márcio, eu conhecia bem, não era o clássico empático emocional. Ele não compartilhava dos sentimentos com outra pessoa, não gerava uma conexão emocional. Sua empatia era do tipo cognitiva. Ouvia as pessoas com atenção e compreendia seus pontos de vistas, sem necessariamente concordar com eles.
Muitas outras competências foram enumeradas naquela noite. Lembro-me de ter ouvido propósito, honestidade, saber delegar, inspirador, senso de humor e positividade.
Habilidades podem ser aprendidas
Você pode estar se perguntando: esse líder é perfeito? Claro que não. Longe disso. Nesse tipo de solenidade é normal que o foco seja suas melhores características. E aprendemos com elas.
Durante o jantar, conversando com o homenageado, perguntei-lhe como se sentia depois dessa grande massagem no ego. Ele deu de ombros. Falei então que ele era uma pessoa privilegiada por ter nascido com tantas qualidades.
Foi uma provocação e ele entendeu. Olhou para mim, passou a mão no queixo e respondeu num tom de voz que todos os mais próximos ouviram. Ela o final da aula.
— Não sei se tudo que disseram de mim corresponde a pura verdade. Deve ter algum exagero em algumas falas. No que é autêntico, posso afirmar que não me foi dado. Nenhuma dessas características é inata. São habilidades e levei muitos anos para desenvolvê-las. E se eu pude, qualquer um pode. Há 15 anos, quando assumi meu primeiro cargo de gestor, devia ter apenas algumas delas e muita vontade de aprender. E quero continuar a aprender.
Excelente, Miguel!
Obrigado, Maurício.