Desenvolvimento Pessoal

O origami e a arte do novo ser

Potência (filosofia): é aquilo em que é possível algum ser se transformar em virtude desse fim próprio. Assim, uma semente é uma potência da árvore. Esta, ao realizar o fim do movimento, atualizou sua potência. Logo, o ato é a forma que os seres devem atingir através do movimento, tendo como fim a perfeição.

Você já viu alguém fazendo um origami? Estou falando daquela arte milenar, geralmente associada à cultura japonesa, que consiste na criação de objetos e formas a partir de um pedaço de papel quadrado, apenas com dobraduras, sem cortes.

Essa arte me impressiona. Fico me perguntando como é possível que um simples pedaço de papel pode se transformar nestas pequenas e graciosas figuras.

A primeira vez que vi um origami foi no filme Blader Runner. O oficial Gaff (interpretado por Edward James Olmos) dobra ao longo do filme um pedaço de papel prateado que toma forma de um unicórnio, que no final torna-se um ponto importante da trama.

Na época, pensei que era uma mania que emprestaram para o personagem apenas para aquele filme. Só depois soube que aquilo era uma arte chamada origami.

A iniciação

Mas, a minha admiração por essa técnica aconteceu quando, tempos depois, participei de um encontro de educadores corporativos, onde uma das atividades foi uma oficina de origami, como uma ferramenta para relaxar e se desestressar.

Não experimentei o efeito terapêutico da arte. O que me tocou foi ver uma trivial folha de papel se transmutar em um imponente cisne. Sem cortes, sem cola e sem modelo.

A transformação

Nosso ocidental instrutor começou o processo lavando e secando suas mãos, como se não quisesse levar alguma impureza para sua obra.

Segurando o papel por uma das suas extremidades, pela pressão entre o polegar e o indicador, moveu-o levemente contra o ar. O movimento produziu o som caraterístico. Pediu que todos nós fizemos o mesmo com a nossa folha. O barulho foi considerável. Alguns interpretaram essa balbúrdia produzidas pelo movimento como a inquietude do papel branco liso. Outros, como a despedida do seu estado anterior.

De repente ele para e olha calmamente para o papel, parece até que ouve o que ele quer ser.

As mãos experientes não precisam de força. A folha fina e lisa se curva com facilidade. É o primeiro vinco, a primeira ferida… feita com delicadeza e precisão. Inevitável.

Vira a folha para o outro lado, como se procurasse onde devesse fazer mais uma dobra com menos dor. A folha não reclama. Essa preocupação é do artista e do expectador que começa a viajar.

É preciso uma certa força, em alguns momentos, para as pequenas dobras ou quando se junta duas partes.

A folha fina começa a sumir. Permite que as lesões, pregas, marcas, sulcos, lanhos e refolhos, contundentes e intencionais processe a metamorfose. Ela já não é mais. Ela agora é o que sempre foi capaz de ser!

Toledo, Murano, Bizcocho e a Borboleta

Fiquei ali extasiado e lembrando de outros processos de transformação, de mudança real: o aço de Toledo, o cristal de Murano, o bizcocho do Equador, a borboleta…

Para se tornar uma das melhores espadas do mundo, não basta lavar o aço nas águas do Tejo, rico em carbono nem misturar um aço macio e dois duros para lhe dar maior flexibilidade. O segredo estava no tempo que o aço ficava na forja e o tanto que o ferreiro lhe malhava.

O vidro de Murano precisa, é verdade, de assopradores hábeis e experientes para lhe conceder aquelas belas formas e cores. Mas, antes, é necessário que areia, chumbo e o quartzo sejam submetidos a mais de 1.500 graus centigrados.

As mãos delicadas e ao mesmo tempo calejadas das indígenas de Cayambe, no Equador, dão rapidamente forma a um tipo de biscoito feito de farinha. Entretanto, a transformação acontece dentro do forno. A iguaria é levada a forno a lenha por um determinado tempo, é retirado. Fica alguns minutos fora e é levado novamente ao forno.

Já a lagarta tece uma crisálida em torno de si e fica totalmente inerte por um mês. Nesse período todos os tecidos do seu corpo se modificam. No final, rompe uma linda e delicada borboleta.

O padrão é claro

Há um padrão. Para ser o melhor aço, o mais belo cristal, a mais delicioso biscoito e a mais graciosa das criaturas é preciso se submeter a dor, aprender a lidar com o sofrimento e renunciar o que era.

Depois de tanto fogo e de ser malhado por tanto tempo, o aço não é mais o que era, agora ele é o aço de Toledo. O cristal de Murano não é mais areia, chumbo e quartzo. Além das duas idas ao fogo o biscoito também agrega o aroma das madeiras que foram queimadas para a sua transformação. E a borboleta nunca mais será uma lagarta.

Outro padrão. Nem a espada, nem o cristal, nem biscoito, nem a borboleta e muito menos o cisne de origami têm consciência da sua potência. Eles não optam por abandonar uma versão anterior e buscam a perfeição.

Só nós, seres humanos, temos consciência do que podemos ser e a capacidade de escolher renunciar o que somos em prol dessa transformação, suportando a dor que isso implica.

O prêmio é imensurável.

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