É comum encontrarmos em livros e filmes ambientados na idade média e início da idade moderna, uma grande necessidade do homem se perpetuar. E isso era garantido principalmente pelos seus feitos.
Essa característica humana aparece em diversas culturas. Os bardos precisavam incluir o nosso nome em seus cânticos para só assim garantirmos o nosso legado, nossa vida eterna.
Na peça Henrique Quinto, de Shakespeare, o grande discurso que ele faz no dia de São Crispim deixa isso muito patente:
Depois nossos nomes, familiares serão recordados ao som de brindes. Esta história o pai contará ao filho e Crispim perdurará desde hoje até o fim do mundo e com eles seremos lembrados. Nós, felizes poucos, mas bandos de irmãos. Quem hoje verte seu sangue meu irmão será. E cavalheiros agora adormecidos, maldirão não terem estado aqui e menosprezarão sua virilidade frente a quem lutou conosco no dia de São Crispim!
E hoje?
É possível que a preocupação com o presente e com o futuro próximo seja mais característico dos dias atuais do que com a imortalidade. Entretanto, quando refletimos, todos queremos deixar algo para ser lembrado para quando não mais estivermos aqui.
Numa certa medida, então, a nossa necessidade de prolongar a nossa vida, sermos eternos, continua existindo. E o que nos faz sermos eternos? Qual o legado que nos garante sermos lembrados para sempre? Sugiro três missões.
Terra, a nossa nave
A primeira missão é contribuir para que exista esse tal de sempre. Estudos indicam que precisaríamos de pelo menos cinco planetas, em áreas produtivas de terra e de mar, se todos nós tivéssemos o mesmo estilo de vida (leia, padrão de consumo) do americano médio.
Vivemos sem relacionar o nosso cotidiano ao meio ambiente. Para vivermos consumimos a nossa casa. O combustível que move a grande parte dos nossos veículos vem de fontes não renováveis. Para nos alimentarmos, temos que cada dia aumentarmos a área agricultável desmatando as vegetações nativas.
Água, roupas, comida, carros, computadores, bolsas, sapatos… retiramos tudo da natureza. E quanto repomos? Fazemos as melhores escolhas quando o assunto é consumo? Só consumimos o que precisamos? Evitamos o desperdício? Replantamos as árvores?
O conhecimento
O conhecimento produzido pela humanidade cresce a cada ano. Alguns estudos apontam que ele dobra a cada 13 meses e que esse período cairá para 12 horas em poucos anos.
À primeira vista isso é assustador e a constatação imediata é que precisamos ser extremamente seletivos na escolha do que ler e estudar. Entretanto, isso não garante a nossa ‘eternidade’, apenas morremos ‘sabidos’.
Para não ‘morremos’ (segunda missão) é preciso ajudarmos às pessoas a também serem seletivas. A acessarem o conhecimento que realmente importa. E mais. É preciso compartilhamos o nosso conhecimento.
Boa parte dos meus leitores (quem sabe sua totalidade) são privilegiados. Estudaram em boas escolas, se formaram, tem pós-graduação etc. O que estão fazendo com todo esse conhecimento? Que tal colocá-lo a disposição de quem não teve essas oportunidades? Que tal escrever um livro? Um blog?
Um pouco de nós, só que melhor
Por fim, terceira missão, para não morrermos, é preciso que a próxima geração seja melhor que a nossa. Que os nossos preconceitos morram conosco e que os nossos filhos façam nos renascer melhor que somos.
Percebo que a minha geração, em vários aspectos, é mais evoluída que a dos meus pais. Minha mãe me ensinou a tratar todos de forma igual, mesmo que ela não conseguisse fazer isso.
Meu filho, homem, branco, hétero, entende que essas características não lhe dão nenhum direito em relação a ninguém.
Contribuir para que nossos filhos sejam melhores pessoas nos faz um pouco imortal.
Assim, plantando uma árvore, escrevendo um livro e tendo um filho, seremos imortais.