Em um dos seus textos mais conhecidos, A Parábola do Jardineiro, Rubem Alves conta que certa vez um senhor muito rico precisava viajar. Deixou seus jardins para ser cuidados por três jardineiros. Dois deles cumpriu a tarefa com esmero. Já o terceiro…
Ah! Senhor! Preciso confessar: não sou jardineiro. Os jardins me dão medo. Tenho medo das plantas, dos espinhos, das taturanas, das aranhas. Minhas mãos são delicadas. Não são próprias para mexer com a terra, essa coisa suja…
Mas o que me assusta mesmo é o fato das plantas estarem sempre se transformando: crescem, florescem, perdem as folhas. Cuidar delas é uma trabalheira sem fim.
Se estivesse no meu poder, todas as plantas e flores seriam de plástico. E a terra seria coberta com cimento, pedras e cerâmica, para evitar a sujeira. As pedras me dão tranquilidade. Elas não se mexem. Ficam onde são colocadas. Como é fácil lavá-las com esguicho e vassoura! Assim, eu não cuidei do jardim. Mas o tranquei com um cadeado, para que os traficantes e os vagabundos não o invadissem”.
O jardim é obra do jardineiro
Sempre que releio essa parábola fico me perguntando quantas pessoas por aí não se diz que é jardineiro só para ganhar o salário desta função.
Lembro-me de uma pessoa, que se dizia jardineiro, quando eu exercia a função de gerente geral de gestão de pessoa de um grande conglomerado. Ele me apresentou a proposta de tirar a função de sete dos onze gerentes de relacionamentos da sua Equipe. Quase 64% da equipe perderia o cargo. Ele afirmava para os seus superiores que sua unidade não dava resultados devido a esses profissionais.
Obviamente não concordamos, mesmo ele demonstrando que a avaliação de desempenho daqueles profissionais era deficiente. No nosso parecer sugerimos que ele desenvolvesse um plano para melhorar tal desempenho. Ou seja, que ele fosse jardineiro.
Por falar em jardineiro, importante ressaltar que o da nossa parábola, que pese ter mentido para arranjar o emprego, depois, pelo menos, foi honesto e confessou sua falta.
O jardineiro e a organização
Já imaginou essa situação em uma corporação? O executivo chama o ‘jardineiro’ no seu gabinete e pergunta sobre determinado ‘jardim’. Ele responderia:
Ah! Senhor! Preciso confessar: não sou líder. As equipes me dão medo. Tenho medo das pessoas, elas têm vida pessoal, filhos, marido/mulher, têm problemas. Meu MBA é em finanças, não tenho paciência com gente…
Mas o que me assusta mesmo é o fato delas estarem sempre se transformando: crescem, florescem, adoecem, riem, choram. Cuidar delas é uma trabalheira sem fim.
Se estivesse no meu poder demitiram todas e substituiria por boas máquinas. O atendimento seria feito por bots com voz. Nada que um bom algoritmo não desse conta. As máquinas me dão tranquilidade. Elas não tiram licença-saúde nem licença-maternidade. Não reclamam nem discutem. Ficam onde são colocadas. Quando quebram colocamos outra no lugar.
É por isso que esse semestre não demos lucro. Acho.
Fico me perguntando, qual é o papel do líder se não cuidar do jardim? Os computares registram e analisam os resultados in real time e com precisão que nenhum humano pode superar.
Nenhum computador, até então pelo menos, consegue liderar uma Equipe: identificando a potência de cada membro (tudo que ele pode vir a SER) e dando as condições para que ela floresça.
O jardim ou o jardineiro?
Para concluir, vou passar a palavra novamente a Rubem Alves:
O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá.
E o que é um jardineiro? Uma pessoa que consegue ver o potencial de cada um de nós e nos ajuda a sermos o melhor que podemos ser. E assim, seja qual for o jardim que você cuide (uma agência, uma escola, uma loja…) ele será sempre florido e terá os melhores resultados.
Precisamos de mais jardineiros.
Excelente texto, Miguel…e como estamos precisando de jardins bem cuidados!!!
Estamos sim, Maurício.