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Ser brasileiro

3 mulheres e 2 homens de várias etnias representando o povo brasileiro

Hoje, peguei-me pensando novamente sobre a nossa origem: quem somos nós, os brasileiros?

Lembrei que tive a honra e o prazer de participar, já faz algum tempo, de um programa estilo TED, onde falei da minha origem Nordestina. Foi em Salvador, no icônico Teatro Castro Alves.

Na oportunidade lembrei dos meus ancestrais: os Portugueses, os Kariris e os Africanos.

Sou branco

Sou descendente, por parte de mãe, de Valério Coelho Rodrigues que nasceu em Porto, Portugal, no século XVIII. Típico aventureiro português, chegou em Salvador “com uma mão na frente e outra atrás”. Não se demorou muito na Capital e resolveu fazer fortuna desbravando os sertões, em uma região que hoje fica no Piauí.

Casou-se com Domiciliana Vieira de Carvalho, filha de fazendeiros de origem lusitana. Tiveram 16 filhos.

Sou preto

Um dos seus descendentes casou-se com uma africana. Contam que quando ela chegou na fazenda, ainda criança, não sabia uma palavra em português e enxergava muito pouco. Depois, já adulta, não lembrava de como foi parar naquelas brenhas.

Já os ascendentes do meu pai, três irmãos cristãos novos, chegaram em Recife e se estabeleceram a alguns quilômetros do porto. Hoje, seria o bairro Arruda.

Sou indígena

O tempo passou. Alguns migraram para São Paulo e outros para o Ceará, onde um deles contraiu núpcia com uma Kariri.

Que pese se chamar Maria e se dizer cristã, mantinha várias tradições do seu povo, tais como rituais religiosos, relação de respeito com a terra e grande conhecimento sobres as plantas da região.

Vamos voltar ao Teatro Castro Alves

Depois de falar da minha origem, aproveitei para fazer um périplo pelos nove Estados da Região Nordeste, mostrando a contribuição de cada um para a literatura, para a música, para o direito, para a história, para a luta das mulheres, enfim, para a brasilidade.

País, Pátria, Povo e Nação

E isso é apenas um extrato do que chamamos de brasileiros. O Nordeste tem apenas pouco mais de um quarto da população do País. A riqueza citada acima está presente em todas as regiões apenas com matizes diferentes.

Sei que muitas pessoas têm uma definição de povo muito conveniente. É apenas um conjunto de pessoas que vivem em um mesmo território e que, geralmente, falam a mesma língua.

O Juridiquês

Para o direito, a definição é ainda mais simples: são brasileiros todos aqueles que nascem neste país que chamamos Brasil.

Sendo assim, o homem branco que mora em Ondina e trabalha na Barra e o homem preto que vive na Fazenda Grande do Retiro e trabalha no Pelourinho e que se encontram no carnaval – um com um drink e outro com uma bandeja – só são brasileiros porque nasceram no Brasil.

Alguns países adotam o critério sanguíneo, isto é, são italianos, por exemplo, todos os filhos de italianos, não importam ondem nasceram.

Desta forma uma criança, filha de um casal de italianos que passavam uma temporada no nosso ensolarado país, é italiano e brasileiro, ao mesmo tempo.

… e suas limitações

É evidente que esses conceitos legais não conseguem abarcar a complexidade do que seja um povo.

Um filho de brasileiros nascido aqui e que foi criança para a Itália e viveu toda a sua vida lá é mais italiano que um descendente de italianos que nunca pisou nas terras de Cervantes. E de brasileiro, tem muito pouco.

E um ‘estrangeiro’ que viveu toda a sua vida aqui, podemos ou não o considerar brasileiro?

Deixando de lado o conceito jurídico, pois ele se resume em indicar implicações legais, o que é mesmo ser brasileiro?

Uma tentativa de definir o que é ser brasileiro

Vou arriscar uma definição despretensiosa1, apenas com o intuito de provocar uma reflexão e, quem sabe, você possa construir a sua.

O brasileiro é branco, tem complexo de colonizador e nenhum remorso por ter protagonizado a maior tragedia da humanidade, ao arrancar milhões de africanos das suas terras, separando os das suas famílias, das suas crenças, e mantê-los escravizados sob indizíveis tipos de violência.

O brasileiro é indígena, protetor das florestas e rios, muitas vezes se aliou ao branco colonizador, mas, também o resistiu em muitas batalhas, como na Guerra dos Bárbaros.

O brasileiro é preto, sobrevivente da escravidão, filho dos Orixás, tem as costas lanhadas, a alma triste e o coração alegre. Arrancaram sua identidade e ele forjou outra, na luta.

O brasileiro não queria sê-lo. Queria enriquecer nas terras do pau brasil e voltar para o continente ‘civilizado’. Queira viver em paz nas suas ocas com o seu povo.  Queria ter ficado na África.

O brasileiro nasce quando essas etnias percebem que sua situação era irreversível. Se unem na inconfidência mineira, na conjuração baiana, na revolta dos malês, na expulsão dos holandeses.

O brasileiro tem como ancestrais o traficante de escravizados; o capitão-do-mato; o homem amarrado e açoitado no pelourinho; a mulher que sobreviveu ao navio negreiro; os indígenas massacrados em Jaguaribe…

Mas, o brasileiro é descendente, também, dos abolicionistas Maria Tomásia e de Joaquim Nabuco (brancos); e Maria Firmina e André Rebouças (pretos).

Nenhum brasileiro é exclusivamente qualquer das definições acima. E todos os brasileiros é uma amalgama de cada uma, nunca na mesma proporção.

O brasileiro é complexo para os sociólogos europeus. Eles têm dificuldade de entender que a nossa padroeira é preta e que em nosso oratório doméstico, convive harmonicamente as imagens Iemanjá com a do coração de Jesus, circundado por colar de proteção indígena.

Somos racistas, é verdade. Mas, estamos aprendendo a não o ser. Creio.  

  1. Para uma análise profunda, indico José Murilo de Carvalho, Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre, Laurentino Gomes, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes.
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